Projeto
“Minhas Histórias Preferidas”
Imagine
uma turma que lia e escrevia, porém não conseguiam criar, construir textos,
deixar a imaginação ir mais longe. Essa era a relidade do 1° ano do 2° ciclo da
Escola Municipal Professor Marcolino Botelho, composta por alunos na faixa
etária entre 9 e 10 anos, todos da comunidade de Salgadinho e proximidades.
Pensando nesta situação foi elaborado o projeto Minhas Histórias Preferidas, com o objetivo de estimular a produção
textual e potencializar o poder imaginativo dos educandos, transpondo para o
papel estas histórias de maneira coesa e coerente no período de maio a novembro
de 2010.
O
projeto foi iniciado com a escolha dos gêneros textuais a serem explorados. De
forma democrática todos opinaram, sendo escolhido o conto tradicional, a
fábula, poesia, o memorial, as histórias encantadas e crônicas. No início das
oficinas, os alunos eram estimulados a narrar oralmente acontecimentos do seu
dia-a-dia, mostrando que histórias são construídas a partir de observações que
fazemos do cotidiano e que para tudo existe uma finalidade que necessita de
algumas regras para serem construídas. Neste momento, observamos um maior
interesse dos alunos pela produção e o cuidado para produzir textos. Na sequência,
combinamos de realizar dois momentos para desenvolver o projeto, um para
trabalharmos a parte teórica dos gêneros textuais (características, história,
particularidades, entre outros aspectos). O segundo momento foi voltado para a
produção textual dos alunos e análise dos mesmos, à medida que o projeto
avançava, percebíamos o interesse e cuidado em cada produção, pois agora,
existia a possibilidade de criação de suas próprias histórias.
Na
análise dos gêneros textuais, os alunos questionavam sobre diversos aspectos
dos tipos de texto trabalhados. Perguntas como “Tio, tudo que é colocado nas
histórias pode acontecer?” foram feitas. Um fato interessante aconteceu quando
estávamos analisando o conto Chapeuzinho
Vermelho. Uma aluna fez uma observação muito pertinente. Ela questionou:
“Se a mãe de Chapeuzinho Vermelho sabia que a avó da menina estava doente, por
que não a trouxe para sua casa e tomou conta dela?” Outro aluno indagou: “Tio,
mesmo sabendo que existia a possibilidade de haver um lobo na floresta, ela
mandou Chapeuzinho entregar sozinha os doces”. Com estes questionamentos,
percebemos que o trabalho estava surtindo o efeito desejado, pois os alunos não
saíram da postura passiva de meros ouvintes e entraram num novo patamar de
leitores ativos no processo de criação, conseguindo ler as entrelinhas, o
sentido subjetivo das produções literárias.
Os
encontros continuaram acontecendo e a cada gênero estudado, era possível ver um
maior entrosamento da turma. Eles passaram a fazer pesquisas tanto individuais
quanto em grupo. A
turma que antes era anciosa e agitada ficou mais tranquila e centrada no
objetivo de produzir os melhores textos. O mais interessante é que durante este
processo criativo foram detectados os reais motivos da dificuldade na criação
textual.
Não havia estímulo
para tanto. Era mais fácil reproduzir, pois se alguma coisa desse errado na
produção, não seria culpa dos mesmos já que eles estavam apenas copiando. A
partir do momento que foram retirados os entraves por meio de exposições
dialogadas, oficinas literárias, vídeos de autores nacionais e regionais,
leitura dramatizada, análise de discurso e exercícios práticos de criação. Os
alunos permitiram que, em um grupo operativo, pudessemos trabalhar temas
transversais como drogas, etnia, sexualidade, violência, cidadania dentre
outros. Isto fez com que os alunos percebessem com outros olhos o processo de
criação literária e todos os seus pormenores. Durante o desenvolvimento do
projeto, os alunos começaram a dar sugestões, tais como regionalizar alguns
textos como Chapeuzinho Vermelho que ao invés de levar doces tradicionais,
levava bolo-de-rolo e Souza Leão. O lobo passou a ser um caranguejo, e o
caçador, um caboclo de lança, aproximando desta forma uma história universal
para o seu cotidiano, com elementos da sua realidade. Isto proporcionou uma
veracidade muito grande nas produções.
Outro
fator bastante interessante foi o envolvimento das famílias no projeto, que
passaram a estimular os filhos em suas produções, trazendo fatos e
acontecimentos para que fossem debatidos em sala e, dentro do possível,
incluído nos textos dos alunos. Outro acontecimento que marcou muito foi o fato
de três pais que haviam parado de estudar voltarem às bancas escolares com o
incentivo dos filhos escritores. O projeto finalizou com uma grande festa,
marcada pela confecção de um livro com a produção de todos os alunos
envolvidos. Eles tiveram que escolher um texto que acharam mais marcante para
compor o livro Minhas histórias
preferidas. Fizemos uma manhã de autógrafos com a participação das
famílias. Foi interessante perceber que todas as famílias prestigiaram o
lançamento do livro, mesmo que apenas na escola. Foram escolhidos alguns textos
para leitura dramatizada, e os alunos assinaram todos os livros. Pudemos observar
a alegria dos alunos e seus familiares com um produto final palpável, que eles
poderiam guardar para o resto da vida. Uma mãe chegou muito satisfeita para
dizer que havia mostrado o texto do filho para os vizinhos e que todos ficaram admirados,
com a qualidade da sua produção.
Durante
todo o projeto, o maior objetivo era que fazer com que os alunos pudessem
perceber que todos nós somos criativos e que produzir textos faz parte do nosso
dia-a-dia, quer seja por meio de um bilhete, carta, diário, dentre outros. O
projeto apresentou uma proporção maior do que tínhamos imaginado. Os alunos e
familiares envolveram-se cada vez mais com a proposta, e um fator que foi
determinante para isso foi a possibilidade de escrever sobre eles mesmos,
registrando fatos que aconteciam e não eram vistos como importantes. Quando
você trata sua vida como única, tudo começa a fazer sentido e toma uma nova
proporção, fazendo com que sua auto-imagem e autoestima aumentem de forma
positiva. Isto proporciona uma mudança de vida não apenas para quem escreve,
mas também para todos que o cercam. Termino este relato com um pensamento do
poeta polonês Jacob Bronowski: “subitamente vemos que a obra do artista nos
revela que captamos a nós próprios; e então compreendemos que toda a criação,
todo o pensamento humano está contido em nós”. Este pensamento nos leva a
refletir sobre a importância de estimular, cada vez mais, os alunos a criarem
suas histórias, por meio do pensamento, da fantasia, do faz de conta, num
processo de resgate do livre pensamento sem tantas regras. Um espaço onde cada um pode deixar sua marca
registrada, sua digital literária, que é única e intransferível, criando um
ciclo irreversível autores e atores independentes. Assim, formamos o tão
sonhado cidadão crítico.